Na Internet e nas universidades de todo o mundo, você encontrará muitas pessoas interessadas no papel que as lendas urbanas desempenham na sociedade moderna. Muitos folcloristas argumentam que as lendas mais pavorosas incorporam os medos básicos do ser humano que servem de alerta ou lição de moral para que possamos nos proteger do perigo.
A mais famosa lenda desse tipo é o conto "assassino da mão-de-gancho". Nessa história, um jovem casal de namorados estaciona o carro em um lugar remoto. Pelo rádio eles ouvem que um psicopata com uma mão-de-gancho fugiu de uma instituição de doentes mentais. A garota quer ir embora, mas o namorado insiste que não há porque se preocupar. Após algum tempo ela tem a impressão de ter ouvido alguém arranhando ou batendo levemente do lado de fora do carro. O namorado garante que não é nada, mas como ela insiste, eles vão embora. Quando chegam à casa dela, o namorado salta para abrir a porta do carona. Com horror, descobre um gancho ensangüentado pendurado na maçaneta.
O alerta e a lição de moral desta história são claros: não saia de casa sozinho nem tenha relações íntimas antes do casamento. Se tiver, algo horrível poderá acontecer. Quando este conto circulou pela primeira vez nos anos 50, os estacionamentos eram um fenômeno relativamente novo e os pais ficavam assustados com o que poderia acontecer aos seus filhos. Nos dias de hoje, muitas das pessoas que contam esta história não a levam muito a sério. Assim como o conto do caroneiro desaparecido (em inglês), ele evoluiu de lenda urbana para uma "história de fantasmas" e foi sendo transmitido como diversão e não como fato.
Sinais de que a história que você está ouvindo é uma (falsa) lenda urbana:
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À medida que a violência das gangues foi crescendo na década de 90, os alertas focalizaram mais os grupos criminosos ao invés de malucos solitários. Em muitas cidades nos Estados Unidos, cidadãos preocupados espalharam a notícia sobre um rito de iniciação na gangue no qual os membros do grupo dirigem à noite com os faróis apagados. Quando um outro motorista pisca seus faróis para sinalizar o fato, a gangue o persegue e mata. Até pessoas que não acreditam nisso podem pecar por excesso de precaução. Afinal, com tanta violência por aí, por que se arriscar?
A ousadia das histórias sobre a contaminação dos alimentos é uma seqüência lógica do modo como os americanos comem. Mais do que nunca, somos alimentados por corporações sem rosto e funcionários sem nome. Estamos cientes que confiamos demais em pessoas sobre as quais nada sabemos e este medo acaba se refletindo nas lendas urbanas. Como regra geral, se a lenda falar sobre aquilo que muitas pessoas têm medo, ela vai se espalhar como fogo. As lendas também expressam algo sobre o indivíduo que crê nelas. Você tende a acreditar e transmitir lendas que têm alguma ressonância com seus medos ou experiências pessoais.
Deste modo, as lendas proporcionam uma visão mais profunda às culturas que as criam. As lendas evoluem na mesma proporção das culturas; novos assuntos e variações surgem a todo momento.
As pessoas não falavam sobre "lendas urbanas" antes da década de 30 e 40, mas elas existem há milhares de anos. As lendas urbanas são simplesmente a versão moderna do folclore tradicional. Em muitas culturas, o folclore sempre existiu paralelamente ou em substituição à história do lugar. Onde a história é devidamente registrada com riqueza de detalhes, o folclore é caracterizado pela "tradição oral", que é a transmissão verbal das histórias.
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Nesta tradição, o contador vai dar uma nova versão à história dita por outra pessoa. Ao contrário da mitologia, estes relatos são sobre pessoas reais em situações verossímeis. Assim como ocorre com as lendas modernas, os contos folclóricos antigos são focalizados em fatos considerados assustadores pela sociedade. Muitos "contos de fadas" que lemos hoje começaram como histórias dignas de crédito, passadas de uma pessoa a outra. Ao invés de alertar contra ladrões de órgãos e gangues, estes contos falavam sobre os perigos da floresta. Na antiga Europa, a densa floresta era um lugar misterioso e de fato havia criaturas que poderiam atacar. É claro que temos muitos medos em comum com nossos ancestrais. Como fica claro em "A Branca de Neve e os Sete Anões", o medo da contaminação dos alimentos era bastante comum.
Os métodos de transmissão das lendas também evoluíram. Nos últimos dez anos houve uma enxurrada de lendas urbanas na Internet. O meio mais comum é o e-mail. Este método é único porque a história não sofre interpretações de cada pessoa que a recebe. Simplesmente se clica em "enviar" após ter acrescentado os endereços de todos os amigos. Sendo a sua história original, as lendas urbanas via e-mail ganham um toque de legitimidade. Você não conhece o autor, mas ele está lhe falando diretamente.
As lendas enviadas por e-mail geralmente são o produto de um ou mais brincalhões. Para eles, o que empolga é ver até onde a lenda irá se espalhar. Como ocorre com as lendas propagadas de boca em boca, há todo tipo de travessuras por e-mail. As mensagens de alerta por e-mail são muito comuns, normalmente informando sobre vírus de computador ou fraudes na Internet. Até uma pessoa cética pode encaminhar este tipo de mensagem, se achar que é verdadeira. Outro exemplo é o pedido de caridade por uma boa causa ou devido a um terrível erro judicial, solicitando o acréscimo do seu nome a uma lista e envio para todos que você conhece.
Há pedidos por e-mail que são reais, é claro, e estes são em prol de uma boa causa. Pode ser complicado identificar uma travessura, mas um indicador é o fato do e-mail não incluir nenhum endereço para a devolução da lista quando estiver completa. E se a mensagem começa com "Este não é uma travessura ou lenda urbana", provavelmente, será.
Uma das mais famosas lendas por e-mail, a receita de biscoitos de Neiman Marcus (em inglês), junta uma boa história com um apelo de lutar contra injustiças. O e-mail fala sobre uma mãe e sua filha que vão comer na loja de Neiman Marcus. Após a refeição, elas pedem uns biscoitos de chocolate que apreciam muito. A mãe pede a receita à garçonete e esta informa que poderá comprá-la por US$ 2,50. Mais tarde, ela percebe que o valor cobrado no cartão de crédito foi de US$ 250 ao invés de US$ 2,50. O gerente se recusa a devolver o dinheiro porque a sua receita é tão valiosa que não pode ser vendida por pouco. Para se vingar, a mãe manifesta no e-mail que resolveu distribuir a receita gratuitamente pela Internet e solicita que você a mande para todas as pessoas que conhece.
A receita da mensagem faz deliciosos biscoitos, mas não são do tipo vendido na Neiman Marcus e não existe nenhuma receita de biscoito que valha US$ 250. De fato, quando a mensagem circulou pela primeira vez, Neiman Marcus nem fabricava estes biscoitos de chocolate. Surpreendentemente, esta história tem circulado de várias formas desde os anos 40. Na década de 80, a empresa que superfaturou foi a Mrs. Fields. Anos antes, foi o hotel Waldorf Astoria em Nova York e a receita foi a do "Bolo vermelho aveludado".
Este tipo de e-mail demonstra o quão profundamente estão enraizadas as lendas urbanas. Não importa o quanto a "tecnologia da informação" seja desenvolvida, os seres humanos são sempre levados pelos rumores. Na verdade, a tecnologia acelera a propagação de contos. Por definição, as lendas urbanas parecem ter vida própria e se arrastam numa sociedade de uma pessoa a outra. E, assim como na vida real, elas se adaptam às condições em mutação. Sempre será da natureza humana contar histórias e sempre haverá uma platéia para ouvi-las. A lenda urbana é uma parte de nós mesmos.
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