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| Orlando Villas-Bôas e a provável ossada de Fawcett | 
O que aconteceu ao coronel Fawcett? Essa pergunta vem sendo feita   desde 1925, quando o oficial britânico Percy Harrison Fawcett   desapareceu na selva brasileira, em companhia do filho, Jack Fawcett, e   de um amigo deste, Raleigh Rimmel. A pequena equipe, comandada pelo   coronel, embrenhou-se na selva em busca de uma mítica “cidade perdida”,   que jamais chegou a ser encontrada. Desde então, as expedições de   resgate de Fawcett, e depois de busca de seus restos mortais, se   sucederam. A primeira foi organizada em 1928 pelo comandante George M.   Dyott. Não deu em nada.
O caso Fawcett repercutiu também no campo literário e deu origem a   uma bibliografia de tamanho nada desprezível. Entre as obras disponíveis   no Brasil encontram-se A Verdadeira História de Indiana Jones, de   Hermes Leal (Geração Editorial, 1996), e Z – a Cidade Perdida, de David   Grann (Cia. das Letras, 2009), que será adaptada para o cinema, com  Brad  Pitt no papel do expedicionário inglês. A elas se junta agora uma   pérola dessa estante consagrada a Fawcett – Esqueleto na Lagoa Verde,   relato de Antonio Callado sobre sua viagem de 1952 ao Xingu, local onde o   inglês teria desaparecido.
Reeditado agora pela Companhia das Letras em sua coleção Jornalismo   Literário, o livro foi publicado pela primeira vez em 1953. Mantém   interesse até hoje por alguns motivos, alguns óbvios, outros nem tanto.   Em primeiro lugar, porque, apesar de as pesquisas sobre Fawcett terem   continuado ao longo das quase seis décadas decorridas depois da   publicação original, Esqueleto na Lagoa Verde ainda é capaz de expor ao   leitor contemporâneo um panorama bastante completo do caso. Isso graças   ao estilo objetivo e sintético de Callado, então jornalista do  matutino  carioca Correio da Manhã. 
Profissional dedicado, Callado fez  direitinho a  sua lição de casa para escrever o relato. Esteve in loco,  como manda o  figurino, e lá conversou com as pessoas envolvidas no  caso. Nem por isso  deixou de pesquisar e ler tudo o que havia  disponível, antes e depois  da viagem, com o objetivo de emprestar  consistência à narrativa.
Além disso, entre a vasta produção dedicada a Fawcett, Esqueleto na   Lagoa Verde destaca-se pela qualidade literária. Callado, já na época   autor de ficção (havia escrito a peça O Fígado de Prometeu, em 1951),   apurava seu estilo na reportagem, nessa coabitação às vezes tão   problemática entre o jornalismo e a literatura (Hemingway dizia que o   jornalismo era uma excelente profissão para um jovem escritor, desde que   fosse abandonado a tempo).
Como resultado dessa sua experiência no Xingu, Callado tira uma   excelente reportagem, na verdade uma das melhores já escritas sobre esse   tipo de assunto. Revela-se jornalista de mão cheia. Mas constrói o   relato do ponto de vista do escritor. Assim, como assinala o crítico   Davi Arrigucci Jr. em um dos posfácios ao livro (o outro é do jornalista   Maurício Stycer), Esqueleto na Lagoa Verde é, também, “uma espécie de   desconstrução da reportagem tradicional”. De fato, em seu relato,   Callado parece menos um detetive investigando em busca da verdade e mais   um pesquisador cético, que avança em suas descobertas, mas a cada  passo  duvida de si mesmo, dos relatos e dos fatos que lhe são  oferecidos  pelas testemunhas.
Ambiente. Por fim, O Esqueleto da Lagoa Verde mostra o futuro grande   romancista Antonio Callado em contato com o ambiente que lhe forneceria   material para aquele que, para muitos, é sua maior obra (ou pelo menos  a  mais conhecida), o romance Quarup, publicado em 1967. No livro, uma   reflexão sobre o Brasil da ditadura e da luta armada, reencontra-se a   magia do Xingu e também personagens reais que Callado conhecera em sua   expedição em busca dos restos de Fawcett. É o caso de Anta, exemplo,   para ele, da maneira “estranha” como os índios exprimem suas ideias aos   ouvidos “civilizados”. No romance, Anta seduz uma das personagens   femininas, Sônia, que com ele foge, para pasmo dos companheiros brancos.   Em mais de um aspecto, portanto, a viagem de Callado ao Xingu lhe   forneceu elementos não apenas para a estrutura do romance, mas para sua   visão de mundo. Lembre-se que, em Quarup, o centro mítico do Brasil,   numa passagem de alto simbolismo, é o gigantesco formigueiro situado   exatamente no meio do Xingu.
Enfim, a história de Fawcett tinha tudo para interessar ao   ficcionista iniciante e jornalista experiente que era Antonio Callado   naquele início dos anos 1950. Nascido em Devon em 1867, Fawcett era um   aventureiro conhecido pelo destemor e pela resistência física. Operou no   Ceilão, como agente do serviço secreto britânico, e foi lá que  aprendeu  as técnicas de sobrevivência na selva que lhe valeriam em suas  andanças  brasileiras. Foi amigo de Conan Doyle, o criador de Sherlock  Holmes e  era um típico expedicionário do Império Britânico, aquele  sobre o qual o  sol nunca se punha. Fawcett esteve no Brasil pela  primeira vez em 1906,  numa viagem da Royal Geographical Society  organizada com a finalidade  de mapear a Amazônia. Depois desta,  realizou mais sete expedições pelo  Brasil, até desaparecer, em 1925. 
O  que o movia era a obsessão em  encontrar a tal cidade perdida, que ele  chamava de Z, e segundo os  relatos, poderia se encontrar tanto em Mato  Grosso como na Bahia.
Nas décadas seguintes ao desaparecimento foram formadas várias   expedições de resgate, sem qualquer sucesso. A verdade sobre o fim de   Fawcett, Jack e Rimmel perdia-se no cipoal de versões contadas pelos   índios. Fawcett tornara-se lenda, objeto de relatos míticos que se   complementavam ou se contradiziam entre si. Havia quem sustentasse,   muito anos depois de sumir sem deixar traço, que Fawcett estaria ainda   vivo, morando com os indígenas depois de ter se desiludido com a   civilização ocidental da qual provinha. Outras, que teria sido   assassinado por índios depois de algum desentendimento. Em versões   diferentes, teria sido devorado por canibais.
Em 1952, Assis Chateaubriand, capo dos Diários Associados, resolveu   promover a sua própria expedição. Na verdade, Chatô já acompanhava o   caso Fawcett com interesse desde a desaparição do aventureiro. Em 1943,   uma missionária relatou ter encontrado um índio de pele clara e olhos   azuis que seria filho de Jack Fawcett com uma índia. Chatô destacou seu   repórter Edmar Morel, que foi ao Xingu e lá encontrou o índio Dulipé,   apresentado aos leitores do Diário da Noite como “o deus branco do   Xingu”. Dulipé foi levado à civilização, onde se comprovou não passar de   um pobre índio albino. 
Morreu anos depois em Cuiabá, consumido pelo   álcool.
O motivo da expedição de 1952 foi a notícia de que o sertanista   Orlando Villas Boas tinha obtido dos índios calapalos a confissão de que   haviam de fato assassinado Fawcett e seus companheiros em 1925.   Admitiam o crime, depois de se certificarem que “os brancos não estavam   mais brabos” com o sumiço de Fawcett. 
Indicaram também o local onde o   corpo fora enterrado e lá uma ossada foi encontrada em cova rasa. Brian,   o outro filho de Fawcett, veio da Inglaterra para acompanhar o   desenvolver dos fatos. Chatô farejou uma grande história e destacou um   time de repórteres da revista O Cruzeiro para a cobertura. Callado, que   trabalhava no jornal Correio da Manhã, foi convidado para a missão.   Levar um repórter do concorrente a tiracolo em uma cobertura sensacional   – eis aí um fato inédito na história da imprensa brasileira, talvez   mundial, e que só poderia passar pela cabeça heterodoxa de Chatô.
A história terminou em fiasco. Submetidos a exames antropométricos,   os ossos não puderam ser identificados como sendo de Fawcett. A arcada   dentária não corresponde e a altura não bate com os registros físicos   que se tinham do expedicionário. Mesmo assim, Villas Boas manteve, até o   fim da vida, a convicção de que aqueles ossos pertenciam ao  aventureiro  inglês. O sertanista conservou o esqueleto em sua casa,  debaixo da  cama, por 18 anos, até que, pressionado por sua mulher,  enviou-o ao  Instituto Médico Legal da USP, onde espera por um teste de  DNA que os  remanescentes da família Fawcett se recusam a realizar. 
Permanece o  mistério. E, portanto, continua o estímulo para boas  histórias em torno  do caso. Tudo é mito. ou não...
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Ditador
Acesso



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