O pó dos zumbis haitianos
Davis viajou para o Haiti a pedido do Dr. Nathan S. Kline, que criou a teoria de que uma droga tinha sido a responsável pelas experiências de Narcisse como zumbi. Uma vez que tal droga poderia ser usada medicinalmente, particularmente no campo da anestesiologia, Kline esperava reunir amostras, analisá-las e determinar como elas funcionavam.
Davis observou que os haitianos que acreditavam em zumbis também acreditavam que eles eram criados pela feitiçaria de um sacerdote (e não por um veneno ou uma droga). Segundo a sabedoria local, o sacerdote pega o ti bon ange da vítima, ou seja, a sua alma, para criar o zumbi, mas durante sua pesquisa Davis descobriu que o sacerdote usava pós elaborados, feitos de plantas secas e animais em seus rituais.
Davis reuniu oito amostras desse pó de zumbi em quatro regiões do Haiti. Seus ingredientes não eram idênticos, mas sete das oito amostras tinham quatro ingredientes em comum:
Foto cedida peo MBL Marine Biology Laboratory O baiacu, um ingrediente do pó de zumbi |
- uma ou mais espécies de baiacu, que normalmente contém uma neurotoxina mortal chamada tetrodotoxina;
- uma espécie de sapo boi (Bufo marinus) haitiano, que produz inúmeras substâncias tóxicas;
- um sapo de hyla (Osteopilus dominicensis), que produz uma substância irritante, porém não mortal;
- restos humanos.
Além disso, os pós tinham outros ingredientes de plantas e animais, como lagartixas e aranhas, que poderiam irritar a pele. Alguns deles tinham até vidro triturado.
O uso do peixe-bola intrigou Davis. A tetrodotoxina provoca paralisia e morte, e as vítimas de envenenamento por tetrodotoxina normalmente ficam conscientes até poucos instantes antes de morrer. A paralisia os impede de reagir a estímulos, bem parecido com o que Clairvius Narcisse descreveu sobre sua própria morte. Os médicos também documentaram casos nos quais as pessoas ingeriram tetrodotoxina e aparentavam estar mortas, mas se recuperaram completamente.
Foto cedida USGS Bufo marinus, um ingrediente do pó de zumbi |
De acordo com a teoria de Davis, o pó, aplicado topicamente, irritava e rachava a pele da vítima. A tetrodotoxina poderia então passar para a corrente sangüínea, paralisando a vítima e causando sua morte aparente. A família enterraria a vítima e o sacerdote retiraria o corpo do túmulo. Se tudo corresse bem, acabaria o efeito do veneno e a vítima acreditaria ser um zumbi.
Embora a teoria de Davis tenha potencial, ela apresenta algumas falhas. A seguir, veremos as controvérsias em torno da pesquisa de Davis.
Foto cedida USDA Figueira do diabo (Datura stramonium), também conhecida como erva jimson ou pepino de zumbi |
No Japão, o baiacu é uma iguaria chamada fugu. Servido cru e preparado por um competente chef, ele tem apenas tetrodotoxina o suficiente para causar formigamento e tontura. Mas se o chef errar no preparo do fugu, o resultado pode ser fatal.
Mas quando as pessoas comem porções tóxicas de fugu e se recuperam, tornam-se vítimas de envenenamento - e não zumbis. A teoria de Davis é que a cultura e a crença fazem com que alguns haitianos acreditem ser zumbis após se recuperarem dos efeitos do pó. Alguns sacerdotes dizem que a alimentação de um zumbi inclui uma pasta de Datura stramonium, conhecida localmente como "pepino de zumbi". Chamada de erva jimson nos EUA e de figueira do diabo no Brasil, essa planta provoca febre, alucinações e amnésia, aumentando potencialmente a crença da vítima de que houve uma transformação.
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