Nas colônias das Américas, o vodu africano se tornou o que conhecemos hoje como vodu haitiano. Em 1492, Cristóvão Colombo desembarcou em uma ilha que era conhecida por seus habitantes (a tribo taino) como Ayiti, ou "Terra das Montanhas". Colombo mudou o nome da ilha para Hispaniola, ou "Pequena Espanha". Os primeiros colonos começaram a criar plantações que se tornaram fontes importantes de safras como açúcar, café e indigo. Para tornar lucrativas essas plantações, os colonizadores dependiam pesadamente de mão-de-obra escrava. Hispaniola seria depois dividida entre dois países, o Haiti e a República Dominicana.
Muitos dos escravos levados à Hispaniola do centro e norte da África nos séculos 16 a 18 praticavam o vodu. Mas o código de escravatura da ilha exigia que todos os escravos fossem batizados como cristãos. A conversão forçada teve grande influência sobre o vodu. Já que os escravos ficaram proibidos de observar abertamente os costumes de sua religião, tomaram de empréstimo diversos elementos do catolicismo a fim de proteger suas práticas espirituais. O processo, conhecido como sincretização, influenciou fortemente o vodu do Haiti:
- os nomes dos santos católicos se tornaram nomes de loas. Em muitos casos, o papel de um loa refletia o do santo correspondente. Por exemplo, São Pedro detém as chaves para o reino dos céus, e corresponde ao loa Papa Legba, o guardião dos portais do mundo dos espíritos;
- os feriados religiosos católicos se tornaram feriados vodus para os loas correspondentes. Por exemplo, a celebração de uma família de espíritos conhecidos como Gedes, personificações de ancestrais mortos, ocorre no Dia de Todos os Santos e Dia dos Mortos;
- as cruzes cristãs se tornaram símbolos das encruzilhadas, que representam escolhas que mudam a vida e marcos no percurso espiritual dos seguidores do vodu;
- os hinos e orações católicos se tornaram parte dos rituais do vodu.
Diversas outras influências também afetaram o vodu, entre as quais as tradições das tribos taino locais.
A forma resultante de vodu é uma religião em forma creole, que abarca influências de diversas outras religiões. Mas, a despeito desses acréscimos, o vodu haitiano se assemelha fortemente ao vodu africano. As sacerdotisas, conhecidas como mambos, e os sacerdotes, conhecidos como houngans, conduzem serviços religiosos e oferecem medicamentos folclóricos tradicionais. As pessoas que desejam se tornar mambos ou houngans muitas vezes iniciam um aprendizado como iniciados orientados por outros líderes, em lugar de por meio de estudos em um centro religioso de maior escala. Muitas das cerimônias acontecem em uma estrutura conhecida como honfour, que serve como templo ou santuário.
Como na África, a possessão é parte importante do vodu haitiano. A pessoa que está sendo possuída é muitas vezes definida como um cavalo, que é montado pelo loa que está se manifestando. A pessoa possuída pode se mover de maneira estranha, falar línguas incompreensíveis ou fazer declarações claras e diretas a outros dos fiéis. O sacrifício também é importante, e muitas cerimônias envolvem o sacrifício de cabras, galinhas e outros animais. Em muitos casos, a combinação entre possessão, sacrifício animal, dança e música, rituais que as acompanham, pode parecer dramática ou até assustadora para observadores não-familiarizados.
Imagem em domínio público Objetos rituais de vodu à venda em Porto Príncipe, Haiti |
O vodu haitiano também incorpora indumentárias, objetos e decorações para invocar ou demonstrar respeito aos loa. Os chamados pacotes congo, ou pacotes medicinais, contêm ervas e implementos medicinais e curativos. Os devotos levam com eles bandeiras chamadas drapo, quando vão às áreas de culto, a fim de demonstrar veneração e respeito pelos espíritos. Para invocar e apelar aos loas, as pessoas tocam diversos tipos de tambores, sinos e chocalhos. Os altares abrigam diversos objetos rituais, tais como garrafas decoradas, bonecas e kwi, ou cabaças repletas de oferendas de comida.
Os devotos usam as bonecas como forma de contactar loas específicos, ou o mundo espiritual em geral, e não para infligir dor e sofrimento a terceiros. Hoje, muitos dos objetos se tornaram parte da arte e do artesanato haitiano.
Alguns artistas haitianos, por exemplo, se concentram na criação de efígies de diferentes loas, drapos elaborados ou objetos rituais suntuosamente decorados.
Ainda que comuns no folclore haitiano, os zumbis não são tipicamente parte das práticas do vodu. |
Como no vodu africano, mambos e houngans em geral não amaldiçoam ou causam mal a terceiros.
Mas alguns devotos acreditam que bokors, ou feiticeiros, têm a capacidade de usar mágica para causar infortúnios ou ferimentos. Os bokors também são parte do folclore relacionado a zumbis - há quem acredite que um bokor pode usar venenos e capturar a alma de uma pessoa, a fim de criar um zumbi. Leia Como funcionam os zumbis para aprender mais sobre essas teorias.
O vodu é parte importante das vidas cotidianas de muitos haitianos. As estimativas variam, mas em geral os antropólogos acreditam que mais da metade dos haitianos praticam o vodu. A religião também desempenhou papel importante na história haitiana. A Revolução Francesa de 1789 deflagrou revoluções em diversas outras regiões do mundo, por exemplo diversas colônias na América. Em 1797, um sacerdote vodu realizou uma cerimônia em Bois Caiman, nas montanhas do Haiti. A cerimônia prefaciou uma revolta de escravos que durou até 1804, e o povo haitiano combateu exércitos enviados pela Espanha, França e Reino Unido. Por fim, o Haiti se tornou a primeira colônia negra a conquistar a liberdade na América. A cerimônia em questão e sua importância para o levante causam certas controvérsias, mas elas se tornaram parte do folclore haitiano.
O vodu é praticado de maneira ampla e aberta no Haiti. Também existe em diversas formas em Nova Orleans e no sudeste dos Estados Unidos. Em certos casos, o vodu praticado em outras partes do hemisfério ocidental se combina a tradições diferentes mas assemelhadas, práticas pagãs ou outros costumes. No entanto, em algumas regiões práticas conhecidas como hoodoo sobrepujaram o vodu, aos olhos do público. Acredita-se que os praticantes de hoodoo usem magia negra, conhecida como bad juju, para prejudicar outras pessoas. Poções de amor, maldições e métodos de vingança em geral são práticas relacionadas ao hoodoo e não têm qualquer relação com o vodu.
A confusão com o hoodoo é apenas uma das razões para que o vodu seja controverso. Na próxima página, estudaremos algumas outras.
Cerimônias de vodu podem ter desempenhado um papel em levantes de escravos nos séculos18 e 19. Nos EUA, um escravo chamado Gullah Jack, considerado um feiticeiro, ajudou a planejar uma rebelião de escravos na Carolina do Sul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário