sábado, 5 de março de 2011

Explicando Indiana Jones e o Templo da Perdição

Três anos após o sucesso bastante inesperado de Os Caçadores da Arca Perdida, o Sr. Spielberg lança a primeira sequência da mais divertida série de aventura de todos os tempos, O Templo da Perdição. Na verdade, os fatos ocorridos neste segundo filme são anteriores aos do primeiro, o que eu acho bem estranho. Quer dizer, em “Caçadores” Indy se dizia um cético, dizia não acreditar em nenhuma daquelas histórias de maldição religiosa. 
O estranho é que antes disso ele já tinha vivenciado todas as aventuras mostradas em “Templo”, o mais sinistro filme da série. Mas enfim, isso não importa muito. 
Coisa de fã. Templo da Perdição já começa de modo arrebatador, com um número de dança que não tem muito a ver com nada. É como se Spielberg dissesse: “não levem esse filme tão a sério. Sentem e relaxem!”. A gente obedece. De cara nos é entregue uma sequência de perseguição e tiroteio que não se parece muito com as do longa anterior (ta mais pra cena de ação de filme de espionagem), mas que, no fundo, tem sim o mesmo clima. 

Gente correndo pra um lado, pro outro, antídoto rolando no chão, diamante se confundindo com pedras de gelo, bexigas se misturando à confusão. Uma loucura. No instante seguinte, Indy, seu pequeno comparsa Round (interpretado pelo garotinho que mais tarde faria Os Goonies) e sua nova companheira Willie, embarcam num avião cujo destino é interrompido por, digamos, alguns inconvenientes. Nesse ponto, já estamos no espírito “Indiana Jones”.

Toda a sequência em que os três descobrem que o avião está sem piloto, sem combustível e sem pára-quedas é uma das melhores. Os mais chatos podem reclamar da irrealidade da cena. O resto se diverte com nossos heróis pulando do avião rumo à Índia em cima de um barco inflável. Acho muito legal que a Willie (Kate Capshaw, que mais tarde viria a se casar com o Spielberg) seja uma personagem bem diferente da Marion. Enquanto a última é uma verdadeira girl-power, Willie é o oposto. Quer dizer, ela é cheia de personalidade e tem um carisma incrível, mas não é o que podemos chamar de mulher aventureira. É ela e sua inadequação aos ambientes indianajonísticos que garantem as melhores risadas desse que, acho, não tenho certeza, é o filme da série que mais me faz rir. Ah, fala sério, impossível não gargalhar com a cena do acampamento no meio da selva. Acho hilário quando Indy e o garotinho estão jogando pôquer enquanto Willie corre e grita de um lado para o outro enquanto se depara com animais selvagens. E depois, ainda nessa cena, a mesma Willie confunde uma cobra com a tromba de um elefante, agarrando-a e fazendo o Indy tremer na base (ele tem pavor de cobras). 
Outra cena que virou clássica é a do jantar no castelo. Aqui teremos o prazer de conferir as reações da Willie frente ao banquete mais asqueroso de toda a história do cinema (com direito a cérebro de macaco pra sobremesa). Essa primeira parte de Templo da Perdição pega o que há de melhor na alma do filme anterior, que é levar tudo o menos sério possível, e eleva ao quadrado. 
 
É tudo irreal, meio kitsch e pastelão, e absolutamente delicioso. Pra completar a perfeição do primeiro ato, ainda temos Indy e Willie se cantando e brigando no orgulho maior que o outro,quarto (“você vai voltar em 5 minutos”), cada um com o  nesta cena que reflete de cara às comédias românticas dos anos 40. E, como não poderia deixar de ser, Indy entra em perigo e é salvo na hora H, quando adentra numa caverna e aciona uma alavanca que faz a parede começar a descer. 

Ela só pára quando Willie coloca a mão num buraco cheio de insetos (com alguma dificuldade) e puxa outra alavanca. Isso tudo, do bar em Singapura, passando pelo salto do avião, a noite na floresta, o banquete real, a briga do casal, até a caverna e a parede vindo abaixo, faz de O Templo da Perdição entretenimento da melhor qualidade. O problema vem a seguir...
 

Quando os três se deparam com um ritual satânico no tal templo da perdição, envolvendo sacrifícios e corações arrancados do peito (ahn, literalmente), o filme cai um pouquinho. Não que fique ruim, mas é que fica diferente. Nós estamos mal acostumados com o aquele Indiana Jones de “Caçadores” que revimos com tanta emoção na primeira metade de “Templo”. 
 
Quando o filme entra em seu segundo estágio, ele muda de personalidade. Fica sombrio demais, macabro demais, meio parado e absolutamente sem humor. Um ponto positivo em “Caçadores” é que toda aquela trama da arca perdida de Moisés é só um pano de fundo, um macguffin, e ela não nos interessa muito. É um pretexto pra todas as cenas de ação. Quando, no fim, a arca mostra seu poder e o rosto do nazista se derrete, a gente não leva aquilo a sério. Nem o filme leva. É só uma cena sobrenatural curtinha, e ela se encaixa bem com todo o resto sem que a gente sinta a necessidade de montes de explicações religiosas, míticas ou cientificas. 
 
A arca é aberta, os nazistas são destruídos, e pronto, em seguida já estamos no depósito das caixas. O grande problema de Templo da Perdição, a meu ver, é que ele se prende demais ao lado místico, diabólico, sobrenatural, ou chamem do que quiser. São mais de quarenta minutos em que o filme fica no templo, com aquele ritual vodu. Ele é até interessante, bem macabro e tal, mas não tem muito a ver com Indiana Jones. É oposto demais ao que nos foi mostrado no início. O que aconteceu com o “não levem nada disso a sério”? O que aconteceu com o cérebro de macaco que é puro humor negro? Tudo se perde na seriedade do segundo ato. 
 
O filme fica até mais violento. Aliás, sabiam que a classificação PG-13, que proíbe filmes para menores de 13 anos, foi criada especialmente para esse Indy 2? É que o filme era violento demais para conter censura livre, e, ao mesmo tempo, se ele ganhasse uma censura 17 anos, seria suicídio de bilheteria. Daí criaram uma nova classificação que existe até hoje.

“Templo” só volta a se erguer (e, mesmo assim, sem toda a força do primeiro ato), com a cena do carrinho de mineração, uma das mais famosas. Depois temos uma homenagem ao primeiro filme, com Indy se deparando com dois espadachins se exibindo com suas facas. Indy ameaça pegar a arma e dar cabo deles, como em “Caçadores”, mas, ops, ele está desarmado. A cena da ponte também é muito divertida, e essa sim nos faz lembrar do velho espírito aventuresco. Se hoje esse é considerado por muitos como o mais fraco da série, tenho certeza que isso se deve à bendita cena do ritual. Porque, de resto, é irreparável. É Spielberg fazendo o que ele sabe fazer melhor: produzindo diversão.

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